Mostra BA - 2024.1
Grupo de pesquisa
Grupo de pesquisa
Constelações Tangíveis
Somando às "Constelações Tangíveis", a Mostra BA 2024.1 abriu o seu primeiro grupo de pesquisa, que buscou investigar a crítica como atividade educativa disparadora de comunicação e construção de relações entre público e obra. Esta dinâmica consistiu em 3 encontros de investigação e trocas entre os participantes do grupo, que ao fim produziram os textos, mediante acompanhamento, a serem compartilhados no espaço expositivo da Mostra, agregando à experiencia dos visitantes, de forma que possibilitassem novos olhares e conexões às constelações criadas. Com a orientação do prof. Leandro Roman e organização da aluna Cindy Kawabe, a Mostra BA 2024.1 convidou todos os alunos e funcionários a se inscreverem no grupo. Atividade com carga horária de 15hs, valendo atividades complementares. Obs.: Devido ao limite máximo de 20 participantes, foi realizada uma seleção a partir de um pequeno texto de interesse solicitado no momento da inscrição.
Obras Analisadas
Confira abaixo as interpretações realizadas pelo grupo de pesquisa para as obras da Mostra BA 2024.1
Autoimagem
A obra “Autoimagem”, é composta por um espelho gravado de uma figura humana sem rosto, com narcisos e mãos em sua composição. Esta usa de seus elementos como uma forma de representar o ‘eu’ através de outro corpo, o espelho, este sendo um objeto que, em seu interior, projeta o externo, os narcisos, flores representativas do universo pessoal, reforçam tal ideia.
A obra convida o espectador a participar de sua composição a partir de sua existência como imagem refletida, tornando-se, desse modo, a pessoa retratada e tocada pelas mãos do espelho. Dessa forma “Autoimagem” apresenta-se como uma obra representativa do universo pessoal em sua projeção externa ao outro, criando uma aura sentimental e melancólica.
A partir de tal análise, é possível refletir acerca da existência pessoal em relação ao outro? Como os espelhos, somos capazes de refletir o alheio em nosso interior?
Dragueria
No século XIX, o termo “homossexualismo” carregava uma conotação pejorativa, associada ao sufixo grego “ismo”, que denotava tanto uma doutrina ou teoria quanto uma condição patológica. A epidemia de HIV/AIDS na década de 1980 intensificou atitudes homofóbicas e discriminatórias, exacerbando o estigma contra a comunidade LGBTQIAP+.
Ademais, a homossexualidade foi classificada como doença até 1990, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) revogou essa designação, reconhecendo-a como uma variação natural da sexualidade humana, e não um distúrbio mental. Visualmente, a peça é minimalista, mas possui um peso simbólico significativo. Um armário retangular, precisamente posicionado na parede, assume uma presença quase clínica, evocando a estética de uma farmácia tradicional. Esta presença, sugere uma analogia com a patologização histórica da homossexualidade.
Em que medida essa escolha estética reforça ou desafia percepções tradicionais? A pergunta “quem é intolerante a quem?” força o espectador a reconsiderar suas atitudes e preconceitos, promovendo uma introspecção sobre intolerâncias internas e externas. Essa interatividade que a obra carrega transforma a experiência do espectador de passiva para ativa, exigindo uma participação reflexiva e crítica.
Por fim, a obra provoca uma reflexão sobre as condições sociais que perpetuam a necessidade de um “remédio” como o “viadase”. Em que medida ela sugere mudanças necessárias para que tais medidas não sejam mais necessárias? A instalação não apenas aponta para a persistência da intolerância e da discriminação, mas também questiona a necessidade de conformidade forçada e a busca por aceitação através de meios artificiais.
Ao propor essa reflexão, “Dragueria” nos confronta com a possibilidade de uma sociedade onde a diversidade é plenamente aceita e onde remédios sociais e culturais para a homossexualidade não seriam mais necessários. A obra desafia os espectadores a imaginar e trabalhar por um futuro onde a inclusão e a aceitação sejam inerentes à estrutura social, eliminando a necessidade de “curas” para aquilo que é, simplesmente, uma expressão da diversidade humana. E se posiciona não apenas como uma crítica às práticas passadas e presentes de intolerância, mas também como um chamado à ação para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva.
Ela nos lembra que a verdadeira aceitação vem da transformação das estruturas sociais e culturais que perpetuam a discriminação, convidando-nos a refletir profundamente sobre o papel que todos desempenhamos na perpetuação ou superação dessas dinâmicas. É utópico aspirar à transformação de nossas estruturas socioculturais de modo que não seja necessária a existência de ‘remédios’ como o ‘viadase’?
Fofinhos
Envolvidos por um complexo emaranhado de influências, a simplicidade do toque e a complexidade sensorial se entrelaçam em uma dicotomia provocativa. Se por um lado emergem ecos da pureza da infância, onde a curiosidade desinteressada nos impelia a explorar o mundo com uma inocência desarmada, por outro, toda jornada sensorial é permeada por uma tensão sutil, moldada pelas pressões da fatiga e da fetichização contemporâneas em que a constante busca por estímulos e novidades nos deixa exaustos e ávidos por sensações cada vez mais intensas.
A curiosidade intrínseca da infância é eclipsada pela incessante necessidade de saciar desejos imediatos. O abandono da concepção clássica de beleza e a crescente fetichização na contemporaneidade suscitam indagações sobre as nuances da relação entre público e obra. Como esses fenômenos se entrelaçam e se manifestam em nossa experiência como espectadores? Até que ponto a fetichização pode ser compreendida como um fenômeno cultural que busca significado e prazer em uma era de sobrecarga de estímulos?
Sob o olhar da arte clássica ‘Fofinhos’ muito provavelmente causaria repulsa, mas de um ponto de vista contemporâneo causa fascínio: um desejo de tocar. Seria, nesse caso, a hesitação diante do ato de tocar reflexiva da nossa disposição para resistir à sedução imediata do estímulo sensorial? E esse impulso, quase irresistível, seria resultado de uma abertura contemporânea para, também, deixar-se tocar de forma mais crua por nossas vivências e entornos?
“Fofinhos” presentifica a possibilidade de exploração não apenas das texturas táteis, mas também das texturas invisíveis de nossas próprias motivações e inclinações. Por que sentimos vontade de tocar? O que isso revela sobre nossa conexão com nossas experiências passadas e com o ambiente que nos cerca?
Lugares Onde Nunca Estive
Ao observar a obra “Lugares Onde Nunca Estive”, nos deparamos então com um mosaico, criado pela artista, que me lembra pequenas janelas para mundos desconhecidos. Olhar por essas janelas que ao mesmo tempo é novo, de tirar o fôlego, que ela te convida a ver, ainda lembra, que jamais poderemos alcançar aquele lugar.
Um lugar que dá uma sensação de paz, de nostalgia, ao mesmo tempo de solidão, mas não uma ruim, parece que conhecemos essas praias e esse mar, mas ao mesmo tempo, nunca estivemos ali. Como um sonho distante, ao mesmo tempo tão perto, e tão longe. Não seria possível então dizer que isso é uma fantasia?
Uma fantasia compartilhada conosco, telespectadores, que pode nos conectar uns aos outros através da pergunta: Aonde você vai na sua mente quando deseja paz? O uso de cores frias e quase opacas, com breves pontos de luz em marrom, dá a ambientação que precisamos nessa obra, não são as praias brasileiras de verão com animação e descontração, sol, cores quentes e verão que conhecemos, é uma viagem a cores que remetem uma melancolia, uma provocação, o uso de figuras pequenas, sem distinção de gêneros na imagem, da a impressão quase de ser uma miragem, voltamos então as janelas, o que seria então uma miragem se não uma peça de nossa imaginação?
Gosto de pensar em possibilidades, gosto de imaginar mundos, imaginar quem são essas pessoas, para mim, decifrar cada parte do mosaico da obra é como decifrar um quebra-cabeça, como tentar entender se elas se conectam, se são separadas, então me pego imaginando histórias, lugares que existem apenas num mundo irreal tão real.
Ao fim, para você, um lugar inacessível pode causar paz ou causa angústia?
Narrativas Resgatadas das Ruas
“Narrativas Resgatadas das Ruas” é uma obra que dialoga com o conceito de ready-mades, introduzido no século XIX. Nesta obra, os objetos selecionados são retirados de seu contexto funcional original, perdendo sua utilidade e transformando-se em “não-objetos” ou semióforos.
A experiência oferecida pela obra se baseia na ideia de que, ao descontextualizar esses objetos e apresentá-los emoldurados, o espectador é convidado a acessar uma memória racional e afetiva. Isso desperta experiências passadas ou lembranças associadas ao uso ou manuseio desses objetos, mesmo que eles nunca tenham sido vistos exatamente daquela forma pelo observador.
Além dos objetos físicos, a obra incorpora áudios que contam histórias ligadas aos momentos em que os objetos estavam presentes na vida de outras pessoas e porque foram esquecidos. Essa combinação de objetos e histórias auditivas direciona a uma introspecção, incentivando a construir uma narrativa sobre memória e vida cotidiana.
O resultado é uma obra que não apenas desafia a percepção tradicional de objetos cotidianos, mas também promove uma exploração profunda da memória e da experiência humana. De que maneira esses objetos remetem a experiências passadas? Como a transformação dos objetos cotidianos em “nãoobjetos” altera a forma como são percebidos? Houve algum objeto que, ao ser revisitado fora de seu contexto, trouxe à tona memórias ou sentimentos inesperados? Como interpretar a ideia de que objetos esquecidos podem conter histórias e memórias significativas?
oCla-oCca
À primeira vista, o espectador médio logo percebe o símbolo gráfico da Coca-cola em “oCla-oCca” que, mesmo embaralhado, é facilmente reconhecido, o que se encaixa na proposta de uma logomarca, ser extremamente visível ao consumidor ao ponto de relacionar um produto a uma empresa específica.
No entanto, é fundamental entender esse processo para além da logo, isto é, um intenso trabalho publicitário e gráfico que associa o refrigerante ou qualquer outra mercadoria à emoções íntimas e valores sociais instalados no inconsciente psíquico do espectador. Em termos de propaganda, tratase de uma técnica semiótica sofisticada que agrega gigantesco valor a essas corporações, pois se sustenta em questões como relacionamentos, reuniões de família, entre outras experiências com alta carga emocional.
A marca Coca-cola, portanto, ao se adaptar a essa sociedade e seus novos valores, que evoluem e se adaptam conforme o passar da história, parece ganhar vida própria, o próprio refrigerante se torna um signo semiótico, um conglomerado de emoções tão familiares que, mesmo manipulado e “desconstruído”, ressoa intimamente com o espectador, seja jovem, idoso, parte da comunidade LGBTQI+ ou das diferentes etnias.
Por outro lado, qual será o impacto de todo esse trabalho publicitário? Com investimentos bilionários e um poder semiótico avassalador, a Coca-cola poderia, além de associar, ensinar sobre nossas experiências amorosas, familiares e profissionais? “oCla-oCca”, por sua vez, relembra a familiaridade de um símbolo gráfico que parece que sempre esteve presente na história da humanidade, se você é humano você toma Coca-cola.
UNO-ME AOS MEUS
“UNO-ME AOS MEUS” (2024) é uma obra que transcende a mera representação artística, transformando-se em uma experiência interativa e sensorial. Ao se apresentar como uma colcha de retalhos, a peça reflete a complexidade e a fragmentação da vida, costurando memórias e sentimentos em uma trama que convida à introspecção e ao toque.
A disposição em uma mesa, com espaço para o movimento do espectador, rompe a barreira entre obra e observador. A justaposição de fragmentos de vida costurados simboliza o lar e a proteção, mas os rasgos revelam uma fragilidade subjacente. A participação ativa do espectador, que molda e interpreta a obra a cada manipulação, reforça a ideia de que a arte é um processo contínuo de construção e reconstrução, onde cada interação enriquece a narrativa com novas camadas de significado e engaja o público, que, ao manusear a peça, torna-se co-criador da narrativa.
“UNO-ME AOS MEUS” destaca-se, assim, como um poderoso comentário sobre a natureza da memória e da identidade, desafiando o público a se unir a essa trama emocional e a refletir sobre suas próprias experiências e percepções e nos faz questionar: Pode a Arte unir histórias singulares tornando-as partes de um todo maior? Qual o limite do compartilhamento?
Aviõeszinhos
Partindo-se em uma partida anacrônica, os “Aviõeszinhos”, assim no diminutivo, voa por um imaginário de afetos, um conector extratemporal, uma imagem-cristal que desperta num acontecimento presente a excitação nostálgica de uma ação juvenil, que em sua ativação se abre a infinitas possibilidades de percursos, tanto físicos como imaginários da vida.
A obra carrega uma atemporalidade que se conecta a outras obras da mostra como por exemplo em “Narrativas Resgatadas das Ruas” (2024), compõem-se às constelações criadas que percorrem um tempo universal na qual vivemos, em conformidade ao coletivo. Criamos memórias pessoais mas que são também memórias do outro.
Ao olharmos a caixinha de madeira que guarda os aviõezinhos e enxergarmos cada um deles como uma nova possibilidade, quais bagagens resgatamos de nosso passado? Quais novos percursos esperamos percorrer?